domingo, 9 de agosto de 2020

Gésio Amadeu e Chica Xavier eram o retrato da amabilidade e do talento

O Brasil está de luto desde que a pandemia do novo coronavírus se instaurou no país. Já são mais de cem mil mortos pela Covid-19. A tristeza predomina os noticiários. E o mundo das artes também tem sido duramente afetado pela doença. Gésio Amadeu, de 73 anos, foi mais uma vítima da nova enfermidade ---- partiu no dia 5 de agosto, última quarta-feira. Mas a teledramaturgia perdeu outra grande figura em menos de quatro dias: a maravilhosa Chica Xavier, de 88 anos. A atriz não teve a COVID-19. Mas acabou afetada indiretamente pela doença. A veterana lutava contra um câncer no pulmão há alguns anos e deixou de ir ao hospital durante o período de quarentena. Quando foi fazer exames verificaram a metástase e sua morte acabou confirmada neste sábado, dia 8.


Gésio e Chica eram atores negros de grande importância na produção cultural brasileira e figuras constantes na televisão. Os admiráveis profissionais tinham muitas qualidades em comum e a amabilidade era uma delas. Doces, gentis e com olhares afetuosos, os intérpretes eram queridos por todos os colegas e fãs. Eram aquelas figuras acalentadoras. E nem precisava conhecê-los pessoalmente para constatar o que os amigos e admiradores diziam frequentemente. Era uma delícia vê-los nos bastidores e em entrevistas, sempre serenos e repletos de sabedoria. Não por acaso viraram referência entre os atores negros.

Infelizmente, ambos não tiveram oportunidades dignas de grandes protagonismos. Afinal, são de uma época onde o negro era sempre retratado como escravo, motorista ou empregada. Ainda hoje essa situação não é tão diferente assim, mas a evolução é evidente.
Já durante a longa carreira da dupla essa questão era bem mais complicada de ser superada. Tanto que Chica nunca interpretou uma vilã ou uma madame. Era sempre a empregada solícita e amável ou então a mãe de santo. Já Gésio era o escravo, empregado, cozinheiro ou motorista. Porém, a dupla brilhava em todas as produções e conseguia crescer em cena mesmo em papéis menores.

O querido Gésio, de Santos Dumont, Minas Gerais, estreou na televisão em "Beto Rockfeller", novela de 1968, escrita por Bráulio Pedroso, autor que virou um grande amigo e o lançou na época. Não por acaso seu personagem se chamava Gésio. "A Cabana do Pai Thomás" (1969), "Éramos Seis" (1977), "Sol de Verão" (1982), "A Viagem" (1994) e "O Beijo do Vampiro" (2002) foram algumas produções que contaram com sua luxuosa atuação. Mas sempre em papéis pequenos. Seu personagem de maior destaque, ao menos entre o público infantil, foi o Tio Chico, da primeira versão de "Chiquititas", produzida pelo SBT e gravada inteiramente na Argentina, entre 1997 e 1998. Caiu nas graças das crianças. Até hoje é lembrado pelo marcante trabalho e clipes musicais divertidos. O ator ainda era um dos preferidos de Benedito Ruy Barbosa. Tanto que esteve em quase todas as novelas do autor, vide sua presença em "Os Imigrantes" (1981), "Sinhá Moça" (1986), "Renascer" (1993), "Terra Nostra" (1999), "Cabocla" (2004), o remake de "Sinhá Moça" (2006), "Paraíso" (2009) e "Velho Chico" (2016), o último trabalho do intérprete na Globo.

Já Chica, natural de Salvador e mãe de santo na Irmandade do Cercado do Boiadeiro (terreiro que fundou há quase 40 anos), estreou no Theatro Municipal em 1956, na histórica montagem "Orfeu da Conceição", com texto de Vinícius de Moraes. A estreia no cinema foi em 1962, no clássico "Assalto ao trem pagador", de Roberto Farias. Na televisão, ela surgiu em "Legião dos Esquecidos" (1968), na antiga TV Excelsior. "Os Ossos do Barão" (1973), "Saramandaia" (1976), "Dancin` Days" (1978), "O Tempo e o Vento" (1985), "Sinhá Moça" (1986), "O Rei do Gado" (1996), "Por Amor" (1997), "Força de um Desejo" (1999) ---- onde teve um bom destaque como Rosália ----, "Esperança" (2002), "Um Só Coração" (2004), "A Lua me Disse" (2005) e "Duas Caras" (22007) foram algumas das muitas novelas e séries que contaram com seu talento. A atriz interpretou mais de 50 personagens ao longo de sua vitoriosa carreira e seu último trabalho foi uma pequena participação em "Cheias de Charme", em 2012.

A partida de Gésio Amadeu e Chica Xavier é dolorosa, ainda mais em um ano tão difícil. Figuras importantes da representatividade negra na arte brasileira, os atores deixam um rico legado para o grande público e admiradores. Que fiquem em paz!

14 comentários:

  1. Que homenagem bonita, Sérgio. Parabéns.

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  2. Gésio Amadeu e Chica Xavier fazem muita falta na teledramaturgia brasileira, e mesmo não tendo seu talento suficientemente aproveitado pelas emissoras para interpretarem personagens que certamente contariam como desafios em suas longas carreiras, deixam um belíssimo legado não só para fãs e admiradores, mas também para colegas de profissão. Que descansem em paz.

    Guilherme

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  3. Sergio, realmente duas pessoas encantadoras. Embora muitas escolhas já tenham sido repensadas, as oportunidades continuam desiguais nessa profissão. Grandes atores, que a tantos outros, iniciantes, serviram de exemplo. Você lhes prestou uma bela homenagem. Abraço.

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  4. Sérgio, me emocionei com suas palavras, seu texto tão lindo e a homenagem mais do que merecida prestada a esses dois atores maravilhosos.
    Eles sempre me encantaram, mesmo que não tivessem tido a chance de interpretar grandes papéis, eles fizeram seus pequenos papéis ficarem grandiosos, tamanho o talento a doçura de ambos!

    "Doces, gentis e com olhares afetuosos", sim, amigo, eles eram referência em gentileza, em doçura... Só o olhar sereno já cativava e nem eram necessárias palavras...

    Esse ano está terrível amigo, estamos perdendo vidas preciosas.. :(
    Obrigada por seu texto tão lindo!
    Beijos e uma semana linda, na medida do possível!!

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  5. Bela homenagem Sérgio. Gostava muito da Chica Xavier desde que ela fez a Bá em Sinhá Moça e o Gésio Amadeu fazia o cego Fugêncio. Dois grandes atores!
    Big Beijos,
    Lulu on the sky

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  6. GRANDE ATOR!

    Discreto, Gésio Amadeu abriu caminho para os negros na TV. Não precisou se fazer de vitima, foi competente no que fez, por isso teve o seu espaço. Carismático e discreto um grande ator bem acima da media que ajudou a ampliar a diversidade racial nas novelas ao longo de 52 anos de trabalho - ele vai fazer falta.

    QUE DEUS O ILUMINE !

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  7. Bastava dizer que Chica Xavier foi a grande dama da tv nacional. Se referir a ela como a "grande dama negra da tv" seria evidenciar o mais sórdido preconceito racial, o qual a sociedade lúcida pelo bom senso luta tanto para combater.


    Acontece que todas as emissoras "Esgotos" que só vê preconceito nós outros, só lhe dava papel de escrava ou empregada!

    Grande Artista pois era uma atriz que soube se agigantar sem cena mesmo com as limitações de papéis coadjuvantes

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