terça-feira, 15 de dezembro de 2020

"Malhação - Viva a Diferença" abordou vários temas importantes de forma hábil

Além do ótimo elenco, personagens ricos e boa condução do enredo, Cao Hamburger acertou em outro ponto com a sua deliciosa "Malhação - Viva a Diferença", reprisada atualmente: a abordagem cuidadosa de vários temas importantes. Racismo, gravidez na adolescência, autismo, uso de drogas, alcoolismo, abuso sexual, direitos humanos, assexualidade, problemas de uma escola pública, automutilação, enfim, não faltaram situações exploradas ao longo da temporada, sempre com bons perfis de protagonistas.


Não é fácil inserir tantas temáticas em um enredo ficcional sem parecer gratuito ou forçado, mas o autor conseguiu com louvor. Todos os dramas estão inseridos no contexto, complementando os conflitos da trama e deixando os personagens ainda mais cativantes, despertando atenção de quem assiste. A primeira situação abordada foi a gravidez na adolescência, através de Keyla (Gabriela Medvedoski), que pariu em pleno metrô de São Paulo, implicando na aproximação das cinco protagonistas.

Os problemas da menina em criar um filho sem pai e em época escolar foram o foco do começo da temporada, servindo para reforçar cada vez mais o elo do quinteto central, uma vez que todas ajudavam nos cuidados com o pequeno Tonico. Aos poucos, essa dificuldade de Keyla foi cedendo espaço para outras, que eram inseridas com o intuito de destacar outros personagens.
O racismo sofrido por Anderson (Juan Paiva), vítima do preconceito de Mitsuko (Lina Agifu), cresceu na história, expondo as dificuldades que o rapaz tinha em namorar Tina (Ana Hikari). O preconceito de classe também era um dos pilares.


A irmã de Anderson, Ellen (Heslaine Vieira), tempos depois, virou a protagonista da temática do racismo quando a menina aceitou uma bolsa de estudos na escola particular de Tina e Lica (Manoela Aliperti). Essa questão se misturou com o bullying através de constantes humilhações sofridas pela menina no novo ambiente escolar. As patricinhas do Colégio Grupo não aceitavam a novata e demonstravam um racismo velado nos ataques, como jogar farinha na garota e tratá-la como "vendedora de balas". A própria professora, a vilã Malu (Daniela Galli), deixa seu preconceito exalar quando lida com a aluna.


Dentro da questão escolar, Cao também explorou uma situação importantíssima: as dificuldades financeiras de uma escola pública. O desabamento do telhado do Cora Coralina serviu para abordar a precariedade do ensino no país, cujos investimentos seguem escassos há séculos. A dura batalha da diretora Dóris (Ana Flávia Cavalcanti) é comovente e um claro incentivo ao melhoramento das instituições que deveriam zelar pela educação dos jovens e não deixá-los jogados, sem o mínimo de condição para um estudo digno.


A diretora, vale citar, ainda se viu envolvida em outro conflito, implicando em outra abordagem interessante: os direitos humanos e a não violência como elemento punitivo. Dogão (Giovani Gallo) era de outra escola e foi obrigado a estudar no Cora em virtude de um incêndio no antigo colégio. Problemático e agressivo, o rapaz já procurou confusão com vários alunos e colocou uma bomba no banheiro, atingindo Benê (Daphne Bozaski), que perdeu momentaneamente parte da audição. Para culminar, agrediu Dóris, a empurrando e lesionando seu braço. Os demais se indignaram com a situação e se juntaram para agredir o garoto, que se feriu. Ao mesmo tempo que tudo isso ocorria, Bóris (Mouhamed Harfouch) discursava sobre os direitos humanos. Mais um contexto bem abordado. Porém, aqui é preciso uma observação importante: a diretora não ter ao menos suspendido o aluno foi um erro do autor, pois a não punição também é um elemento que gera a criticada justiça com as próprias mãos. Ela ameaçou suspender Tato (Matheus Abreu) e K2 (Carol Macedo), por exemplo, só porque ambos foram flagrados se beijando no terraço. Se preocupar com a regeneração de Dogão é válido, mas uma punição um pouco mais severa era necessária. Apenas organizar a Biblioteca soou ridículo.


Já o autismo é exposto através da personagem mais querida e cativante da história: Benedita. A menina sofre de Síndrome de Asperger (um grau leve da doença) e o 'problema' da menina não foi falado explicitamente antes da reta final. Todos sabiam que ela é diferente, mas não tinham ideia do porquê. Tudo é na base da sutileza, como a sensibilidade com os sons, a dificuldade do toque e a falta de compreensão da ironia. A explicação mais clara só veio perto do desfecho da temporada. A sua relação com Guto (Bruno Gadiol) deixou o conjunto ainda mais delicado e o próprio rapaz demonstrou não ser uma pessoa 'comum'. Em uma franca conversa com Samantha (Giovanna Grigio), declarou não gostar de sexo como os demais. Ele simplesmente não demonstra interesse em transar. Inicialmente, chegou a ser insinuado que o menino era gay, mas a assexualidade ou a demissexualidade (só sentir atração por quem tem um elo emocional forte) é o seu conflito na trama.


O uso de drogas foi exibido para o público através do descontrole de Lica, que chegou a ter uma overdose após mais uma festinha regada a álcool e MD (droga conhecida como Michael Douglas). Foram cenas com altas doses de realismo, demonstrando uma louvável ousadia da trama, expondo como realmente os jovens se comportam em 'reuniões' do tipo. Já o alcoolismo foi protagonizado pelo pai de Tato, Aldo (Claudio Jaborandy), enquanto a automutilação é o drama de Clara (Isabela Scherer), que se corta cada vez que enfrenta alguma briga familiar. E até a delicada questão do abuso sexual e do assédio foi explorado na história através de K1 (Talita Younan), que emocionou a todos nos capítulos mais recentes. Enfim, o que não falta é tema relevante no enredo.


"Malhação - Viva a Diferença" foi uma temporada que entrou na lista das mais marcantes e uma das suas várias qualidades é essa importante e bem explorada abordagem de conflitos reais. O chamado 'merchandising social' é o que mais tem na história escrita por Cao Hamburger e todos os problemas são inseridos com competência, engrandecendo os personagens e deixando a trama atrativa. É o popular 'unir o útil ao agradável' que vale a pena rever.

10 comentários:

  1. Engraçado que eu amei essa temporada mas quando revi agora já não me empolguei tanto.

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  2. Fizeram tanta temática boa pra jogar tudo no lixo naquela Five.

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  3. Arrasou reafirmando quão cuidadosa foi a abordagem da maioria dos temas sociais em "Malhação - Viva A Diferença" (2017), Sérgio. Só foi questionável a descaracterização de Guto (Bruno Gadiol) em "As Five", pelo menos até agora, mas acredito que no fim os acertos do spin-off estarão sobrepostos aos erros. Agora, novamente aludindo ao título deste texto, tenho a dizer: "Por que choras, 'Malhação - Vidas Brasileiras' (2018)?".

    Guilherme

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  4. Concordo, mas a reprise vem fracassando bonito.

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  5. eu tinha perdido o primeiro capítulo naquele 2017, agora na reprise tenho gostado cada vez mais, só me incomoda duas coisas: a edição ao ajuntar o primeiro bloco com as primeiras cenas do segundo e último (inclui até ajunção dos ganchos com as cenas seguintes) e o excesso de comerciais no único intervalo da novela, parece que nem se importam com a trama, que não repita isso em malhação sonhos no qual vi poucos capítulos.

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