terça-feira, 12 de novembro de 2019

"Bom Sucesso" prova que representatividade negra importa

A falta de atores negros no elenco das novelas ou de qualquer produção televisiva ou cinematográfica nunca deixou de existir. Sempre foi uma questão para ser enfrentada. Houve evolução ao longo dos anos? Sem dúvida, mas ainda é pouco. E a discussão voltou ao centro do debate em 2018, quando João Emanuel Carneiro escalou um elenco predominantemente branco para "Segundo Sol", novela ambientada na Bahia, estado conhecido pela negritude de sua população. Até o Ministério Público resolveu intervir (embora não tenha dado em nada). Porém, em meio a tanto mais do mesmo, Rosane Svartman e Paulo Halm resolveram mostrar para alguns colegas como 'funciona' essa temática da representatividade em "Bom Sucesso".


São 19 atores negros em um elenco de cerca de 45 nomes, representando quase a metade do todo. E apenas um está na condição de empregado, no caso empregada, a carismática Bezinha, vivida pela ótima Thais Garayp. Mas todos vivem perfis que poderiam ser interpretados por qualquer um. A cor não é o importante e passa até despercebida pelos mais desatentos, inclusive em cima do quarteto central da história. Ramon (David Junior) é pai da filha da protagonista --- Paloma (Grazi Massafera) ---, a tímida Alice (Bruna Inocêncio), uma jovem nerd e extremamente doce. O personagem é um dos principais empecilhos para o romance da mocinha e Marcos (Rômulo Estrela), embora passe longe da figura do vilão. É apenas um sujeito ciumento e que errou muito no passado.

Sheron Menezzes está muito bem interpretando Gisele, secretária que tem um caso com o marido da chefe. Inicialmente, a personagem até representava bem o estigma de vilã, mas aos poucos seu lado mais humano vem sendo exposto pelos autores, incluindo o medo que sente das reações violentas de Diogo (Armando Babaioff).
No mesmo núcleo, há o boa praça Leo (Antônio Carlos), irmão de Ramon, que vive fugindo do trabalho, e a elegante Gláucia, vivida com talento por Shirley Cruz. A diretora comercial da Prado Monteiro, inclusive, é uma lésbica assumida e muito bem resolvida. Merece mais espaço, vale observar.

A cunhada de Paloma é outro perfil que merece menção. Interpretada de forma impagável por Carla Cristina Cardoso, Lulu é um show à parte e protagoniza algumas das melhores cenas da família da protagonista. As tiradas no texto dos autores são proferidas com um tempo de comédia perfeito e não por acaso cresceu tanto na novela. Ainda no núcleo, há o talentoso Igor Fernandez, que vive o rapper Luan, e o ótimo Lucas Leto, intérprete do problemático Waguinho, garoto que já vivenciou situações traumáticas na trama em virtude do vício em drogas. Os dois garotos, aliás, pertenciam ao enredo da escola Dias Gomes (em homenagem ao saudoso autor), que também apresenta vários outros atores negros. Vide a diretora Elomar (competente Ju Colombo) e a professora Francisca (Gabriela Moreyra).

O caso de Gabriela precisa até uma observação à parte. Isso porque a atriz esteve no elenco de "Segundo Sol", que marcou sua ida à Globo, após o sucesso como protagonista de "Escrava Mãe", na Record. Todavia, a atriz foi uma figurante e mal teve falas. Bem diferente do atual momento. Sua personagem é um exemplo de educadora e foi a única que estendeu a mão a Waguinho. Ainda protagoniza bonitos momentos ao lado de David Júnior, expondo uma boa sintonia com o colega. Francisca e Ramon 'ensaiam' um romance há um certo tempo. Ela sempre se mostrou interessada e só agora o namoro aconteceu. Sua parceria com Ju Colombo é mais um acerto.

Já a melhor amiga de Paloma é a otimista Esther (Patrícia Costa), costureira que está sempre disposta a ajudar e também ama um samba. Romeu Evaristo vive o fofoqueiro Fabrício, vendedor de café e bolinhos que vive bisbilhotando a casa da protagonista ao lado da sua esposa, tão futriqueira quanto. E Caio Cabral convence na pele do íntegro Patrick, jogador de basquete apaixonado platonicamente por Gabriela (Giovanna Coimbra). Jorge Lucas é outro bom ator presente no folhetim e está ótimo como Dr. Amauri, médico e grande amigo de Alberto (Antônio Fagundes). Vale citar ainda Dandara Albuquerque (uma grata surpresa de "Espelho da Vida") na pele da repórter/apresentadora do "Psiu TV". Recentemente, mais um boa aquisição da novela: a entrada de Marcello Melo Jr. vivendo o boa praça Yuri, rapaz íntegro que se envolveu com Gisele e passou a trabalhar na Prado Monteiro. Enfim, são vários nomes talentosos no elenco.

E o tema do racismo sequer é abordado. Não que a questão não seja importante, afinal, é algo que segue atual no Brasil e no mundo, infelizmente. Nunca é demais a abordagem na teledramaturgia. No entanto, a ausência do preconceito apenas reforça que os personagens poderiam ser interpretados por qualquer ator. Isso é ótimo.

Rosane Svartman e Paulo Halm fazem por merecer os vários elogios dados a "Bom Sucesso" e os autores ainda provaram que representatividade importa, sim, e pode ser realizada de uma forma bastante simples. Basta querer.

24 comentários:

  1. Como o senhor escreve bem!

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  2. Parabéns Sérgio,que lindo texto Parabéns!!! Já ansioso aqui para ler o próximo. Seu fã...abraço!!!

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  3. Excelente matéria! Realmente, a novela "Bom Sucesso" engloba temas variados enfatiza o caráter de personagens importantes a fim de elucidar o valor da literatura! Primeira novela que abre os braços à muitos talentos afro descendentes! Parabéns a tooooooodos ! Assisto diariamente e a cada capítulo mais í mais me sinto atraída pela trama maravilhosa!

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  4. Tu é o melhor crítico de tv atual. Não é puxação de saco!

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  5. Puts que verdade! Só me dei conta da quantidade de atores negros por culpa desse texto. Que autores maravilhosos ❤️

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  6. Excelente texto, Sérgio! Tu és um crítico de TV a sério.

    Talento nada tem a ver com a cor da pele.

    Novo post por lá. Obrigada!

    Beijos e dias bem primaveris.

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  7. Pensei que a cronologia da novela fosse de 2018 para 2019, e que a data no painel da formatura da Alice (2019) fosse um erro.

    Mas não, eles estão mesmo adiantados. Em uma conversa com Vera, Nana disse que já é janeiro de 2020.

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  8. Parabéns pelo texto! Todos os atores da novela adoraram.

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  9. Já percebia a representatividade negra na teledramaturgia da Rede Globo nas lendárias "Malhação - Sonhos" (2014)" e "Totalmente Demais" (2015), também de Rosane Svartman e Paulo Halm, com personagens como por exemplo, Silas (Wendell Bendelack), Florisval (Aílton Graça), Jennifer (Lellezinha), Wesley (Juan Paiva), Riscado (Cadu Paschoal), Bola (Cauê Campos), Cascudo (Felipe Silcler), Zé Pedro (Hélio de la Peña), Jacaré (Sérgio Malheiros), Montanha (Tony Garrido), Adele (Jéssica Ellen), Yasmin (Vanessa Pascale), Cleide (Patrícia Costa), Maria (Juliana Louise), João (Leonardo Lima Carvalho) e Braço (Dhonata Augusto). Naquele luxão de temporada de "Malhação" tínhamos Sol (Jeniffer Nascimento), Guta (Lellezinha) e Wallace (Antônio Carlos). Perdão se me esqueci de algum. Rosane Svartman e Paulo Halm são os reis não só da representatividade negra, mas de todo tipo de representatividade. E esse é um entre tantos fatores que os tornam encantadores.

    Guilherme

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  10. Acho que está sendo a novela com maior elenco negro ,adoro !!! Todos trabalhando bem, parabéns aos autores e toda produção e direção.

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  11. Dado incrível: Bom Sucesso tem mais elenco negro que Escrava Isaura e Sinhá Moça.

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  12. Nossa, anonimo, disso eu nao tinha me dado conta. Que ótima informação!!!

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