Walcyr Carrasco e a valorização dos atores veteranos

A atriz Maria Zilda Bethlem (atualmente como Flávia na reprise de "Por Amor", no "Vale a Pena Ver de Novo") deu uma entrevista relativamente recente ao Universa e suas declarações repercutiram bastante. Entre as várias repostas divulgadas, uma reclamação refletiu a sua mágoa com os autores: "Não tem mais avó em novela. Há uma falta de papéis para atores velhos no Brasil", disse a intérprete. Ela não mentiu. Realmente são poucos os escritores que valorizam os veteranos e por isso é necessário citar uma das exceções: Walcyr Carrasco.

O autor sempre encheu suas novelas de atores mais velhos e na atual "A Dona do Pedaço" não é diferente. O núcleo que mais reflete a presença dos mais experientes no elenco é o da família de Eusébio (Marco Nanini). Betty Faria (Cornélia), Tonico Pereira (Chico) e Rosi Campos (Dorotéia) são alguns dos integrantes do clã de picaretas que invadiram uma propriedade abandonada e fizeram do local um abrigo que todos precisavam. Mais recentemente a ótima Berta Loran fez parte da trama como a mãe do irmão de Eusébio, também vivido por Nanini.

O objetivo do núcleo é representar a parte cômica do folhetim e é verdade que nem todas as situações protagonizadas por eles são de fato engraçadas. Parte da crítica, inclusive, acha um absurdo que atores tão experientes quanto os citados façam parte de uma história tão aparentemente boba.
Vale lembrar, inclusive, que Laura Cardoso viveria Cornélia, mas a Globo decidiu poupar a veterana depois que Fernanda Montenegro teve um mal estar enquanto gravava a primeira fase. A atriz, no entanto, não se conformou e já deu várias entrevistas reclamando da atitude da emissora. Laura afirmou mais de uma vez que queria estar com os colegas.

Mas qual a razão da experiente intérprete querer participar de um núcleo que parte da crítica despreza tanto e afirma não valorizar o talento dos atores? A verdade é que os profissionais mais velhos, infelizmente, sofrem com a falta de papéis na televisão e até os mais reconhecidos, como Laura, não escapam disso. Maria Zilda está certa. Portanto, ter um autor que faça questão de tê-los em seu elenco já é uma vantagem e tanto. Dona Laura queria ser "desperdiçada" com os colegas. E todos eles, por sinal, não se mostram nem um pouco descontentes. Até porque o núcleo tem destaque na novela e achar as cenas ruins vai do gosto de cada um.

Aliás, é preciso lembrar da figuração de luxo de Betty Faria em "Se Eu Fechar os Olhos Agora", excelente minissérie exibida no início do ano na Globo. A veterana apareceu apenas nos dois capítulos finais e disse poucas frases. Gostem ou não, a atual Cornélia tem bem mais relevância --- ainda mais agora que ganhou na loteria e comprou a mansão de Josiane (Agatha Moreira). E além dos atores já mencionados, vale citar a genial Nathalia Timberg na pele da arrogante Gladys. A personagem também não é muito grande, mas não está em cena apenas para "enfeite". A atriz tem boas cenas com Deborah Evelyn, Malvino Salvador, Mel Maia e Reynaldo Gianecchini.

Ary Fontoura, Suely Franco e Nivea Maria são outros atores que protagonizam bons momentos na história e agora vivem um triângulo amoroso da terceira idade por conta da perda de memória momentânea do advogado Antero. Os três são diretamente ligados a Maria da Paz (Juliana Paes) e Marlene foi a principal aliada da protagonista na primeira fase. Já Evelina foi uma mãe ausente, mas se reaproximou da filha quando foi morar com a boleira e está ao seu lado sempre. Ary e Suely ainda chegaram a protagonizar cenas quentes no início da história com o divertido romance entre seus personagens. Outra intérprete que merece menção é Rosane Gofman. A intrometida Ellen se destaca no folhetim e a governanta já teve boas cenas com Agatha Moreira (Josiane) e Juliana Paes. Rosane chegou a declarar em uma entrevista que graças a esse papel tem conseguido manter o seu espetáculo "Eu Sempre Soube" em cartaz.

Rosamaria Murtinho e Natália do Vale formam uma boa dupla como Linda e Beatriz. A mãe interesseira tem uma ótima dose de sarcasmo e a filha teve sua trama ampliada quando as traições de Otávio (José de Abreu) vieram à tona. A mãe de Vivi Guedes (Paolla Oliveira) agora também vive um delicado relacionamento com Zé Hélio (Bruno Bevan). Um casal cheio de química. E é injusto não citar as luxuosas participações de Fernanda Montenegro e Jussara Freire na primeira fase da novela. As sanguinárias Dulce e Nilda foram brilhantemente interpretadas e a mãe de Amadeu (Marcos Palmeira) até participou de alguns capítulos da segunda fase.

Walcyr agora escalou mais uma veterana para "A Dona do Pedaço". Laura Cardoso foi escalada para viver a avó de Joana (Bruna Hamu), a suposta filha verdadeira de Maria da Paz, e entrou na novela no capítulo 112. O autor chegou a garantir na coletiva de imprensa que sua grande amiga entraria na história mais para frente e cumpriu a promessa. É a quinta parceria deles. Matilde sofre do Mal de Alzheimer e vivia em um asilo ---- guarda segredos do passado que prometem novas reviravoltas no enredo. A cena em que Rock (Caio Castro) ajudou Joana a levar a senhora para a antiga casa dos 'sem teto' comoveu pela sensibilidade. Outra recém-escalação foi Ana Lucia Torre, que entrou para viver a fria governanta Berta, aliada de Camilo. A atriz é mais uma parceira do autor. Já foram vários folhetins juntos e no momento vem protagonizando boas cenas com Paolla Oliveira e Lee Taylor. A sempre ótima Elizângela também entrou na novela recentemente na pele da dona de um cortiço onde Jo passou a morar.

"A Dona do Pedaço" tem 15 atores mais velhos no elenco. Impossível não comparar com as outras produções atuais. A recém-terminada "Órfãos da Terra" tinha apenas quatro, assim como "Bom Sucesso", "Topíssima" (Record) e "As Aventuras de Poliana" (SBT). Uma irônica coincidência. O número quatro parece até uma espécie de "cota". Já "Malhação - Toda Forma de Amar" apenas um. Portanto, mais uma vez se torna inegável a preocupação de Walcyr com os intérpretes mais experientes, sempre lembrando de escalá-los para suas obras. Basta fazer um retrospecto da carreira do escritor para constatar. Uma pena que seja uma das raras exceções.