Abuso sexual em "O Outro Lado do Paraíso" destaca a entrega de Bella Piero e levanta um tema de grande importância

A pedofilia é um dos crimes mais asquerosos do ser humano. Um adulto explorar uma criança indefesa para seus desejos sexuais enoja qualquer um e a questão em torno do abuso sexual também acaba sendo debatida. Portanto, abordar um tema delicado como esse em uma novela não é nada fácil. Walcyr Carrasco, todavia, resolveu arriscar e inseriu esse contexto em um núcleo de "O Outro Lado do Paraíso". E agora, que essa situação ganhou destaque, é possível afirmar que a coragem do autor foi um acerto.

A trama da introspectiva Laura (Bella Piero) foi colocada de forma sutil na primeira fase, pois a atriz era uma criança (a talentosa Luísa Bastos). O olhar de ódio que a menina lançava para o padrasto Vinícius (Flávio Tolezani) era impressionante e ela não tolerava chamá-lo de pai. Dez anos se passaram e o núcleo ficou em terceiro plano, enquanto os demais se desenvolviam. Cada etapa da vingança de Clara (Bianca Bin) destaca um enredo paralelo da novela e agora chegou a vez desse.

A mocinha se vingou de Gael (Sérgio Guizé), o mandando para cadeia por violência doméstica; de Samuel (Eriberto Leão), expondo sua homossexualidade (sempre reprimida por ele); e a próxima revanche é a destruição de Vinícius. Para isso, a mocinha tem investigado a vida do delegado e acabou se deparando com Laura, desconfiando de sua tristeza profunda.
Enquanto a protagonista segue procurando podres dessa família, o público vai acompanhando com mais clareza todo o desenvolvimento da personagem, que vem protagonizando ótimas cenas desde que seu núcleo cresceu.

O romance da menina com Rafael (Igor Angelkorte) se mostrou um dos êxitos da história, tendo a sensibilidade como maior característica dessa relação. Sempre reativa e desconcertada, Laura acabou cedendo aos encantos do sensível médico e os dois iniciaram um namoro marcado pela delicadeza. Não demorou para os dois resolverem casar, mesmo não tendo qualquer experiência sexual até então. A cerimônia foi linda e serviu para iniciar de fato a abordagem do abuso sexual no enredo. A menina não escondeu o desconforto na sua primeira vez e desde então evita maiores intimidades com o agora marido.

O momento mais forte foi quando Laura expulsou Rafael da cama, o empurrando para o chão, após um surto de pânico. Ele naturalmente se assustou e ela chorou copiosamente, implorando por desculpas e sem conseguir explicar o porquê de tanto incômodo com o sexo. O pavor da personagem é transmitido muito bem por uma entregue Bella Piero e Igor Angelkorte também vem tendo um bom destaque na trama. Essa cena, por sinal, durou quase dez minutos e os dois emocionaram do início ao fim. Uma sequência difícil até para atores bem mais experientes.

A desgraça que um pedófilo pode fazer na vida de uma pessoa vem sendo exposta de forma dura e bastante necessária. Embora o enigma em torno desse trauma da personagem tenha durado um certo tempo, era nítido que tudo estava ligado ao padrasto abusador. Walcyr ainda inseriu um outro fator aterrorizante: o medo que Laura sente de tartaruga, incluindo até os bichos de pelúcia. Não se sabia a razão, mas tudo se esclareceu quando o tenebroso passado veio à tona através de sessões de hipnose que ela fez com Adriana (Júlia Dalavia): Vinícius abusava dela perto de um tanque de tartarugas que a família tinha na época.

A cena em que Laura lembrou do abusador primou pela entrega total da atriz e destacou a direção primorosa de Mauro Mendonça Filho, que se inspirou em trabalhos de diretores e cineastas, como Roman Polanski, F.W. Murnau, Peter Jackson, entre outros. Foi agoniante, arrepiante e emocionante. O mesmo é possível observar para a aguardada cena em que Laura enfrentou o padrasto e expôs seus crimes diante de todos, deixando a mãe Lorena (Sandra Corveloni) chocada e Rafael horrorizado. Mais uma grandiosa sequência de Bella, sendo necessário aplaudir ainda Bianca Bin, Flávio Tolezani, Igor Angelkorte e especialmente Sandra Corveloni. Um amontoado de emoções fortes em uma sequência longa.

O único porém de toda essa situação foi o fato de Adriana ter feito as regressões em Laura e não uma psicóloga. A advogada também ser uma 'coach' foi explicado didaticamente em inúmeros capítulos com o único intuito de justificar essa sua capacidade para ajudar a menina no futuro. Porém, além dela, deveriam ter inserido um outro profissional. O Conselho de Psicologia repudiou a abordagem, mas esse fato nem chega a ser significante, pois vários sindicatos costumam reprovar a representação da ''classe'' em muitas novelas. Delegados, inclusive, chegaram a declarar que Vinícius ser pedófilo "mancha" a profissão. Uma bobagem. No entanto, independente da indignação dos psicólogos, realmente não custava nada colocar a própria Adriana como uma advogada com formação em psicologia ou então uma outra psicóloga mesmo ----- por sinal, a psicóloga de Ivana (Carol Duarte) em "A Força do Querer", interpretada por Esther Jablonski, não conseguiu ajudá-la e ainda sumiu no meio da novela passada (ou seja, uma abordagem equivocada também). O fato é que, independente disso, a exploração do abuso no enredo foi importante e preciso.

Folhetim é entretenimento e não tem obrigação alguma de educar ou informar, mas a abordagem da pedofilia na história é importante para o aumento das denúncias ---- vale mencionar o aviso no final de vários capítulos alertando para ligar para o Número 100 ---- e provocou outra virada no enredo, expondo a ruína de mais um inimigo de Clara. A mocinha dessa vez, por sinal, ainda libertou uma menina que carregou por anos um trauma que desconhecia em virtude de bloqueios emocionais compreensíveis. Bella Piero foi uma grata revelação de "Verdades Secretas" (2015), do mesmo Walcyr, e vive um grande momento no atual sucesso das nove, após não ter sido valorizada na problemática "A Lei do Amor" (2017). O drama de Laura vem emocionando o público, destacando a atriz e movimentando o enredo de "O Outro Lado do Paraíso".