Primeira fase de "O Outro Lado do Paraíso" não precisava ser tão longa

A nova novela das nove da Globo estreou no dia 23 de outubro. Já está claro que Walcyr Carrasco pretende contar uma trama repleta de vinganças, provando que a lei do retorno existe. Por enquanto, o público tem acompanhado o calvário das vítimas, tendo Elizabeth (Glória Pires) e Clara (Bianca Bin) como protagonistas, além de Raquel (Érika Januza) correndo por fora. E o enredo tem duas fases: uma ambientada em 2007 e a outra em 2017. Parece promissor. O único senão até agora, porém, tem sido a duração da primeira etapa dessa saga.

São cerca de trinta capítulos com a história, dirigida por Mauro Mendonça Filho, ambientada em 2007. E, pelo que tem sido apresentado, é um período excessivo. Não havia necessidade de tantos capítulos para introduzir o drama dos personagens. Duas semanas já eram suficientes para exibir a primeira fase, sem correria. Isso porque a sensação de se deparar com situações repetidas se torna inevitável. Na tentativa de preencher o tempo desse início, o autor vem reiterando conflitos e brigas, que sempre rendem ótimas cenas, mas acabam andando em círculos.

Clara e Gael (Sérgio Guizé), por exemplo, se casaram e já brigaram várias vezes, resultando quase sempre em agressões do marido. A mocinha foi espancada e parou no hospital em três momentos, assim como se abrigou na casa do avô, Josafá (Lima Duarte), nos mesmos períodos. Também recebeu o apoio de Renato (Rafael Cardoso) nessas situações.
E a vidente Mercedes (Fernanda Montenegro) previu tragédias na vida da menina outras tantas vezes. Há um clima sombrio que cerca esse núcleo, sendo exposto em todos os capítulos.

A obsessão de Livia (Grazi Massafera) em ter um filho é mais um ponto que já ficou bem explicitado. Foram várias cenas dela transando com desconhecidos para tentar engravidar, além de ter tentado ficar com Renato, sem sucesso. Vale destacar a ótima cena em que a personagem contou para Clara que fez um aborto no passado, constatando a consequência desse ato agora, quando sofreu um aborto espontâneo, descobrindo pela médica que não poderá mais gerar um ser.

A homossexualidade enrustida de Samuel (Eriberto Leão) é outro contexto que já teve a introdução necessária, expondo o machismo da mãe, Edineia (Ana Lucia Torre), e o pavor do médico em ser descoberto, iniciando um namoro de aparências com a enfermeira Suzana (Ellen Roche), culminando em casamento. Até houve uma macumba feita pelo rapaz para não falhar na hora da transa. E o interesse de Sophia (Marieta Severo) pelo terreno de Clara e Josafá, repleto de esmeraldas, também teve a exploração mais do que suficiente.

A questão em cima do relacionamento de Raquel e Bruno (Caio Paduan) vem explorando o racismo de forma direta e muitas vezes incômoda, mas necessária. O preconceito de Nádia (Eliane Giardini) e Gustavo (Luis Melo) refletem uma dura realidade que ainda existe e o casal vítima das injúrias raciais esbanja química. Porém, a separação deles ---- em virtude dos sonhos de cada um e das barreiras financeiras ---- estabelece o fim desse primeiro ciclo e a trama poderia ser contada em menos de um mês tranquilamente.

A saga de tragédias de Elizabeth merece uma menção especial porque é a única que não caiu na repetição. O autor não precisou provocar os mesmos conflitos para destacá-la. A personagem teve sua vida arruinada pelo sogro, Natanael (Juca de Oliveira), e desde então vem afundando cada vez mais. Teve o casamento com Henrique (Emílio de Melo) aniquilado, precisou abandonar a filha e ainda teve que 'morrer'. Consequências do seu envolvimento com o amante, que acabou morrendo (em uma ótima sequência) acidentalmente durante uma discussão com ela. Glória Pires está fantástica e todos os instantes de sofrimento de Beth têm sido 'diferenciados', implicando até em tentativa de suicídio e mergulho no alcoolismo.

Recentemente, houve uma passagem de tempo e Clara teve seu filho (se separando de Gael), Bruno e Raquel tomaram rumos distintos, Samuel se casou com Suzana e Beth seguiu enfrentando sua solidão, mas agora tentando se reerguer através do mercado da pesca. A segunda fase está próxima, assim como a internação da mocinha em uma clínica psiquiátrica. Os próprios Walcyr Carrasco e Mauro Mendonça Filho reconheceram o erro e cortaram algumas cenas para acelerar o processo. "O Outro Lado do Paraíso" tem um enredo com todos os ingredientes para empolgar o público e a torcida para os dez anos se passarem logo é uma prova disso. O único problema desse começo foi realmente a longa duração da primeira etapa. Não precisava.