Ana Paula, machismo, feminismo, julgamentos e a primeira polêmica do "BBB 16"

A décima sexta edição do "Big Brother Brasil" mal começou e já está rendendo polêmica por causa do primeiro grande barraco da temporada, protagonizado por Ana Paula e Laércio. Mas não foi nem a briga em questão o alvo das discussões do público e, sim, os motivos que levaram a tal. A participante mais sincera do "BBB 16" levantou uma questão muito pertinente em relação ao assédio contra as mulheres e o reality acabou servindo de palco para um importante debate, mesmo que involuntariamente.

E o mais assustador é observar a opinião de parte dos telespectadores, extremamente machistas, que desqualificam todas as motivações da briga, procurando apenas julgar o descontrole de Ana Paula. É necessário uma observação mais ampla, envolvendo tudo o que o forte desentendimento representou, sendo, inclusive, nada mais do que um reflexo da sociedade. A participante já havia demonstrado incômodo com os olhares que Laércio lançava para ela e as outras meninas durante as festas. E as colegas de confinamento já haviam compartilhado da mesma reclamação.

Só que Ana é explosiva e 'sincericida', deixando essas características bem evidentes desde que entrou no programa. E, para culminar, já havia brigado com o colega quando observou que o mesmo não limpava o banheiro após usá-lo. Ou seja, tudo foi se acumulando.
E a explosão se deu no final de uma festa, onde ela estava completamente bêbada e alterada. Isso porque, depois de ter novamente se incomodado com os olhares de Laércio, a participante foi dormir e se deparou com ele deitado de cueca no quarto. Ela simplesmente surtou, o xingando de 'velho nojento' e até de pedófilo.

A sua atitude foi completamente reprovável, até porque quando se grita se perde a razão, e a forma como agiu não foi proporcional ao que foi visto. Até porque não há nada demais em Laércio dormir de cueca, já que na casa todos podem ficar como bem quiser. Porém, o ataque de Ana não foi por causa da situação em si. Foi apenas um acúmulo de incômodos e indignações, após ter reclamado várias vezes das atitudes dele. Ela simplesmente cansou do assédio e resolveu dar um basta ---- de uma forma nada recomendável, ressalte-se (até porque é inadmissível chamar alguém de pedófilo sem provas e 'velho' jamais pode ser usado como xingamento).

Laércio, de 53 anos, já havia dito no programa que gosta de novinhas e se relacionou com jovens de '17 e 19 anos'. Ana nunca digeriu essa informação muito bem e ficou ainda mais indignada quando, durante uma festa, ele fez um gesto simulando sexo oral para ela. Ou seja, são atitudes nada respeitosas, além de um tanto intimidadoras. E, sim, ela tem todo o direito de se indignar com isso, mesmo estando em um "BBB", local que é observado por milhões. Usar alguma justificativa desse tipo ---- 'está no reality, então não pode reclamar' ---- equivale ao deprimente argumento de que 'mulher com roupa provocativa merece ser estuprada'.

Aliás, é necessário ainda ressaltar que, apesar de todo esse incômodo e da forte briga, ela nem imagina que o participante está envolvido em várias polêmicas fora da casa. Algumas supostas meninas já declararam que foram embebedadas por ele, com segundas intenções, obviamente, e a sua página no Facebook está repleta de 'polêmicas'. Há várias curtidas em fotos de adolescentes seminuas, em páginas de armas, comunidades sobre o nazismo, perfis 'contra os anti-brancos', entre outras --- até mesmo a página da Valentina, participante do "Masterchef Júnior" que sofreu ataques pedófilos na internet ano passado, é curtida por ele. E uma foto chama atenção pelo diálogo dele com um suposto amigo ---- chamado de pedófilo, ele responde se dizendo Efebófilo, que nada mais é do que sentir atração por adolescentes de 12 a 17 anos (a famigerada página, inclusive, já foi deletada misteriosamente).

Ele praticou algum crime? Teoricamente não e qualquer acusação seria leviana sem provas. Portanto, Ana Paula realmente perdeu a mão na discussão e exagerou mesmo.  Até porque para isso cabe a polícia e se houvesse alguma situação 'grave', o mesmo não teria sido selecionado para o programa. Entretanto, é preciso levar em consideração o seu comportamento na casa e a reação de Ana, que nem sequer imagina sobre todas essas 'informações' do participante, descobertas pelo público. Mas, deixando todas as evidências de lado, focando apenas nas atitudes dele na casa, é de se assustar a quantidade de comentários em defesa ao comportamento de Laércio, como se os olhares (e o gesto obsceno) não fossem nada demais.

Mesmo que sem qualquer intenção, o "BBB" levantou uma importante discussão sobre o feminismo X machismo. Até porque, incrementando a 'polêmica', Ana Paula se declarou machista no início do programa, onde disse que não luta por direitos iguais. Porém, ironicamente, ela foi a pessoa que mais se mostrou feminista na casa, mesmo sem saber. Foi a única que teve coragem de expor uma reclamação feita por todas as mulheres da casa, em relação aos nada confortáveis olhares de Laércio durante as festas. Ou seja, ela apenas comprovou que não sabia do que estava falando quando afirmou que era machista.

O paredão formado por Ana e Laércio acabou sendo uma espécie de 'julgamento', onde o juiz foi o público. Porém, a votação foi muito acirrada e todas as enquetes davam como certa a eliminação dela com mais de 60%. Só que essa disputa fez justamente toda a polêmica em torno dele ficar ainda mais exposta, tendo uma imensa repercussão dos veículos da imprensa. Vários grupos feministas se uniram em defesa da participante e grande parte do público do Twitter fez maratonas de votação para salvá-la. O esforço acabou tendo resultado e Laércio foi eliminado com 54%, em uma votação que ultrapassou os 21 milhões de votos.

Esse resultado foi muito importante porque não foi 'só um paredão'. Esse duelo representava muitas questões que ainda estão longe (e talvez nunca se revertam totalmente) de serem solucionadas na sociedade brasileira. Tudo o que envolve a situação do assédio gera embates e várias proliferações de ódio, onde muitas vezes a luta das mulheres é menosprezada. Claro que muitas vezes há exageros de todas as partes, inclusive de alguns movimentos feministas mais radicais, o que prejudica o debate. Mas é irônico que um programa considerado fútil como o "BBB" tenha provocado uma discussão tão pertinente.

A vitória de Ana Paula não deixou de ser o triunfo do bom senso, independente da torcida de cada um. O paredão não foi entre duas pessoas, foi entre duas posições completamente contrárias do público, onde opiniões machistas entraram diretamente em conflito com posicionamentos feministas. Cabe a Laércio, agora, explicar toda a 'nebulosidade' que cercou a sua participação, enquanto Ana segue abusando do 'sincericídio' no "Big Brother Brasil", despertando ódios e paixões.